sábado, 26 de novembro de 2011

Resenha Crítica de "Escola, Estado e Sociedade" da Bárbara Freitag

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Faculdade de Educação




Resenha Crítica ao Livro de Bárbara Freitag:

Escola, Estado & Sociedade.

Editora Moraes, 6ª Edição. 1986. São Paulo – SP

Aluno: Élbio Henrique Mendes Ribeiro

Sociologia da Educação – 2011/2



O livro Escola, Estado & Sociedade, da autora Bárbara Freitag, tenta expor uma interpretação sintetizada de um amplo quadro que tem como conteúdo as medidas educacionais implementadas pelo governo no período compreendido entre 1964 e 1975. Para tanto ela apresenta um enfoque sociológico buscando referência na sociologia e na economia da educação. Para justificar a posição adotada, ela revê os limites e as vantagens das teorias mais conhecidas.

Começa apresentando os dois pontos do conceito de educação que estão presentes nas teorias de quase todos os autores:

1 – “(...) a educação sempre expressa uma doutrina pedagógica, a qual implícita ou explicitamente se baseia em uma filosofia de vida, concepção de homem e sociedade (...)” (Freitag, 1986)

2 – “Numa realidade social concreta, o processo educacional se dá através de instituições específicas (família, igreja, escola, comunidade) que se tornam porta-vozes de uma determinada doutrina pedagógica.” (Idem)

O primeiro a sistematizar o papel da educação na sociedade, segundo Bárbara, foi Émile Durkheim, que não especifica os conteúdos educacionais e parte do conceito de homem egoísta que precisa ser moldado à vida em sociedade.

Segundo ela, para Durkheim, o processo educacional é mediatizado basicamente pela família, mas também por instituições do Estado como escola, universidades, etc. As gerações adultas suscitam na crença, através dessas instituições, “certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança particularmente se destina”. (Freitag, 1986)

Pressupõe-se que a experiência das gerações adultas é indispensável para a sobrevivência das gerações mais novas. A transmissão da experiência de uma geração à outra se dá no interesse da continuidade de uma sociedade dada. A autora nos mostra que, para Durkheim - ao formar as bases para a criação de uma sociologia, de um estudo da sociedade, usa o método de observação dos fatos sociais - a educação não poderia ser algo diferente. Desta maneira,

“A educação é um fato social. Se impõe coercitivamente ao indivíduo que, para seu próprio bem, sofrerá a ação educativa, integrando-se e solidarizando-se com o sistema social em que vive. Os conteúdos da educação são independentes das vontades individuais; são as normas e os valores desenvolvidos por uma certa sociedade (ou grupo social) em determinado momento histórico, que adquirem certa generalidade e com isso uma natureza própria, tornando-se assim “coisas exteriores” aos indivíduos.”.

Bárbara nos fala que na obra Social System, Talcott Parsons também se inspira em Durkheim. Para Parsons a educação é um mecanismo para que os sistemas sociais constituam-se e perpetuem-se. Mas Parsons não destaca a coerção do sistema como destaca Durkheim. Ele não apresenta os valores e as normas específicas de cada sistema. Para Durkheim e Parsons a educação é o know-how necessário transmitido entre as gerações para manter a estrutura e o funcionamento de uma sociedade.

Dewey e Mannheim divergem. Eles crêem na educação como um fator dinamizador das estruturas através do ato inovador do indivíduo. Dewey não separa educação e vida. Ao viver o indivíduo atua e sua atuação se transforma em processo educativo. O indivíduo se dispõe para novas ações depois de avaliar e reorganizar suas experiências.

A educação exigida por Dewey é uma doutrina pedagógica específica da sociedade democrática. Ela é um mecanismo de perpetuação de estruturas ainda imperfeitas: as democráticas. A base social que suporta estas estruturas é a da igualdade das chances, não a da igualdade entre seres humanos. Somos diferentes por natureza. Este modelo também não é questionado, criticado ou modificado. A ordem que reina é a da competição: assim os conflitos são democraticamente solucionados.

Mannheim amplia esta versão de Dewey. O controle racional e democrático da natureza e da história dos homens precisa existir. Existem técnicas sociais para exercerem este Controle. Entre elas está a educação. Estas técnicas existem para impedir o caos social que Mannheim assistiu na guerra. Os indivíduos, para isso, é necessário educar os indivíduos na regra do jogo democrático desde o início de suas vidas.

Passerom e Bourdier tem uma visão histórica da sociedade e do homem. Fazem uma crítica da sociedade capitalista (especificamente a francesa do século XX). Pegam a estrutura de classes como objeto. Aprofundam suas observações sobre a divisão social do trabalho baseada na apropriação diferencial dos meios de produção.

Para eles o sistema educacional reproduz a cultura e a estrutura de classes. Uma dessas funções se expressa nas “representações simbólicas” ou na ideologia, a outra na realidade social.

A função do sistema educacional é garantir a reprodução das relações de produção. Suas análises têm bases no materialismo histórico de Karl Marx. Para assegurar esta reprodução é necessário que, além das relações factuais, as relações simbólicas também sejam reproduzidas: as ideias que os homens fazem dessas relações. O sistema educacional garante “a transmissão hereditária do poder e dos privilégios, dissimulando sob a aparência de neutralidade o cumprimento desta função”. O sistema educacional, impondo o habitus da classe dominate, coopta membros isolados das outras classes. Isso garante a reprodução da ordem da estrutura de classes durante gerações, pois dá aos dominados a esperança de fazer-parte da classe dominante.

Bárbara também fala de Becker, Schultz, Edding e Slow. Segundo ela eles acreditam na correlação entre crescimento econômico e nível educacional dos membros de uma sociedade dada. Os fatores input (capital e trabalho), não bastaram para justificar o output (taxa de crescimento) registrado. Desde então se vem falando em investimento em recursos humanos, formação de capital humano, e formação de manpower. O planejamento educacional só vem a ser uma consequência lógica desses fatores.

Para Huiskien, os modelos da economia e do planejamento educacional nada mais fazem que ajustar o pessoal formado pelas escolas aos ciclos e ás crises geradas pela economia capitalista. Os economistas da educação reassentaram o modelo sistêmico de Parsons em suas bases econômicas. Ego define suas expectativas e suas ações em vista de alter porque espera que também alter satisfaça as suas. Neste sistema não se pode definir papeis isolados, sempre papeis complementares. A maximização das gratificações por parte dos indivíduos corresponde, em Parsons, à maximização dos lucros ambicionada pelos capitalistas. A posição será ocupada por quem por ela for mais habilitado, ela existe para o ocupante e o ocupante existe para ela. É uma forma de transpor a lei da oferta e da procura determinada pela economia. Isto dá equilíbrio ao sistema e referenda a meritocracia do modo de produção capitalista. É a mesma mão invisível que regulamenta a harmonia e a ordem dessas diferentes formas de competição. Esta teoria também responde pela igualdade de chances garantida a cada um, tanto no modelo social (de adquirir posições de prestígio e poder) como no modelo econômico (de adquirir mercadorias).

A economia da educação ajuda a disfarçar a essência do problema subjacente a estas ideologias da igualdade de chances e da troca de equivalentes. A autora nos conta que

“Marx mostrou em sua teoria do valor que de fato pode haver equivalência entre duas mercadorias desde que medidas com uma unidade padrão que seja comum a ambas: o tempo médio socialmente necessário absorvido para a sua produção. Por isso se pode trocar um saco de arroz por dois de feijão. A única mercadoria disponível no mercado em que a equivalência não funciona é em relação à própria força de trabalho. O seu valor de uso diverge do seu valor de troca. Pois ela, ao ser comprada no mercado por um valor, quando usada no processo de trabalho, produz mais valor do que custou ao comprador, o capitalista. Os indivíduos ou o Estado, investindo pois na força de trabalho, e justamente para aqueles setores e ramos em que há necessidade de trabalhadores mais qualificados, criam um valor. Este, no ato da troca, recebe seu equivalente (tempo socialmente necessário para produzi-lo) em salário. Mas na hora que essa força de trabalho é empregado no processo produtivo, ela gera mais valor do que o salário percebido. Este excedente não retorna ao indivíduo ou ao Estado que nele investiram para qualificá-lo, mas é apropriado pelo comprador, o empresário capitalista. (...) O salário corresponderá, em seu valor, ao tempo médio socialmente necessário para a produção e reprodução da força de trabalho, o que inclui sua qualificação para o trabalho. Mas esse salário é bem menor que o valor que o trabalho cria no tempo pelo qual vendeu sua força de trabalho. Sua produtividade face à sua maior qualificação não beneficia a ele, aumentando gradativamente seu salário, mas ao seu empregador que se apropria da diferença, mais-valia.” (Freitag, 1986)

Althusser, Poulantzas e Estabet fornecem um referencial teórico que realmente permite analisar, explicar e criticar o funcionamento da escola na moderna sociedade capitalista. Althusser, apesar de admitir a importância estratégica da educação como instrumento de dominação nas mãos da classe dominante, não vê nela importância estratégica como instrumento de libertação por parte da classe dominada. Lois Althusser introduz as discussões da escola como Aparelho Ideológico do Estado. Retomando as discussões sobre a alienação do trabalho feitas por Karl Marx, ele conclui que a escola

“(...) assegura que se reproduza as forças de trabalho, transmitindo as qualificações e o savoir faire necessários para o mundo do trabalho: e faz com que ao mesmo tempo os indivíduos se sujeitem à estrutura de classes. (...)” (Freitag, 1986)

“A reprodução da força de trabalho exige não somente uma reprodução da sua qualificação, mas ao mesmo tempo uma reprodução de sua submissão às regras da ordem estabelecida, i. e., uma reprodução da sua submissão à ideologia dominante para os operários e uma reprodução de sua capacidade de bem manejar a ideologia dominante para os agentes da exploração e da repressão, a fim de assegurar, também pela palavra a dominação da classe dominante” (Althusser, Ideologia e Aparelhos Ideológicos; in: Freitag, 1986)

Mesmo assim, para Bárbara Freitag, falta-lhe a visão histórica e dialética dos Aparelhos Ideológicos do Estado e da escola.

Gramsci foi o teórico da superestrutura. Sua contribuição consiste na revisão do conceito de Estado. A sociedade civil assume novo sentido. Para Gramsci ela expressa o momento da persuasão e do consenso que, conjuntamente com o momento da repressão e da violência constroem a manutenção da estrutura de poder (Estado). A dominação se expressa sobre a forma de hegemonia na sociedade civil e na sociedade política sob a forma de ditadura. Elabora-se assim um conceito emancipatório de educação em que uma pedagogia do oprimido pode assumir força política, ao lado da conceituação da educação como instrumento de dominação e reprodução das relações sociais. Ele então diz que toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica: no caso da hegemonia burguesa, trata-se essencialmente do processo de aprendizado pelo qual a ideologia da classe dominante se realiza historicamente, transformando-se em senso comum.

POLÍTICA EDUCACIONAL:

UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA

Bárbara Freitag faz também uma retrospectiva histórica da política educacional brasileira. O primeiro período foi até 1929, quando houve a crise mundial que culminou com problemas econômicos para nossos produtos de exportação. Nossa estrutura educacional era baseada neste modelo exportador e tinha como função uma política educacional que formasse as pessoas para estas atividades econômicas de acordo com as classes sociais correspondentes. Nossa economia era baseada no modelo agroexportador implementado na época da colônia. Uma política educacional é quase inexistente. Não haviam instituições que compusessem a sociedade política e a sociedade civil era composta quase que exclusivamente pela igreja. A escola não tinha função de reprodução da força de trabalho. A estrutura social também se encontrava pouco diferenciada pois tinham os escravos, os senhores das casas grandes, os representantes da Coroa e da Colônia e o clero. A reprodução dessa estrutura de classe era garantida pela própria organização da produção. A escola como mecanismo de reprodução da estrutura de classes era dispensável.

O segundo período vai de 1930 a 1945. Implanta-se a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário. O ensino religioso torna-se facultativo. É introduzido o ensino profissionalizante. Tornam-se obrigatórias as disciplinas de educação moral e política. Cria-se o Ministério da Educação. Era o início do modelo econômico de substituição de importações.

De 1945 a 1964 é sancionado o texto definitivo da LDB. A LDB reflete as contradições e os conflitos que caracterizam as próprias frações de classe da burguesia brasileira. A realidade educacional gerada pela LDB traz a tona o problema da seletividade do sistema educacional. Há uma seletividade do sistema em relação à população em idade escolar. Uma escola neutra que tratasse todos os alunos de maneira igual, mesmo adotando certos critérios de aprovação e reprovação, selecionando os melhores, segundo inteligência, capacidade de trabalho, desempenho e outras habilidade, deveria manter uma relação percentual mais ou menos constante de alunos provenientes de diferentes classes sociais.

Ela também nos apresenta a Lei da Reforma do Ensino Superior. Com base no Plano Orientador da Universidade Brasileira, apresentados por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira,

“Propõe-se a departamentalização e, com isso, a extinção da cátedra, sugere-se a forma jurídico-administrativa da fundação, restringe-se a participação estudantil nos processos de decisão interna. Idéias originais, como as “Casas Nacionais de Línguas e Cultura” e emissora universitária, foram basicamente abandonadas.” (Freitag, 1986)

Esta reforma também permitiu o funcionamento experimental da UnB em 1962. E o Plano Qüinqüenal de 1975-1979.

“O texto da lei se movimenta em torno de dois princípios aparentemete contraditórios: a racionalização das estruturas e dos recursos e a “democratização” do ensino. A combinação do jargão tecnocrático dos economistas da educação e o liberal dos adeptos de objetivo: diminuir a pressão sobre a universidade, absorvendo o máximo dos candidatos ao vestibular (democratização) e discipliná-los posteriormente, alegando medidas de racionalização dos recursos.” (Freitag, 1986).

Em resumo, esta obra de Bárbara Feitag pode nos dar um perfeito diagnóstico histoiricisado das bases que constituem as políticas educacionais e as práticas pedagógicas brasileiras para que possamos entender a formação intelectual de nosso povo e construímos nossas políticas futuras para o desenvolvimento da educação.